Entenda a decisão de Fachin sobre Lula e a votação da suspeição de Moro no STF

Nesta terça-feira (23), a 2ª Turma do Supremo retoma julgamento da ação que discute se o ex-juiz da Lava Jato atuou de forma parcial; veja perguntas e respostas

Anna Satie, Murillo Ferrari, Renato Barcellos e Rafaela Lara, da CNN

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou na segunda-feira (8), em decisão monocrática, todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Fachin julgou que a 13ª Vara Federal de Curitiba, origem da Operação Lava Jato, não era o órgão competente para julgar as ações que envolvem Lula. A decisão inclui os casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, da sede do Instituto Lula e doações à instituição. Com esse movimento, Lula se torna elegível novamente. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu da decisão.

O julgamento sobre a suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, iniciado no último dia 9 na 2ª Turma do Supremo, também pode ter consequências para a Operação Lava Jato e ao ex-presidente Lula. Quando interrompido, após pedido de vistas do ministro Nunes Marques, o placar estava 2 a 2.

Nesta terça-feira (23), no entanto, os demais ministros devem apresentar seus votos. Caso seja declarado suspeito, as decisões de Moro – apenas nos processos do ex-presidente da República – serão invalidadas.

Quais as justificativas de Fachin?

A decisão de Fachin responde a um pedido de habeas corpus da defesa de Lula feito em novembro de 2020.

De acordo com nota enviada pelo gabinete do ministro, apesar de a competência da vara de Curitiba já ter sido levantada anteriormente, “esta é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal”.

O argumento já havia sido utilizado pela defesa de outros envolvidos da Lava Jato e em outros recursos da defesa de Lula. Fachin levou em conta decisões anteriores do plenário do STF, que reduziram o alcance da 13ª Vara Federal.

Fachin relembra que os casos que não se relacionavam a desvios praticados contra a Petrobras foram redistribuídos para outras varas em todo território nacional. Depois, também foram redirecionadas todas as investigações iniciadas com delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F, e, mais recentemente, os casos que envolvem a Transpetro.

Por considerar que os supostos delitos de Lula não se relacionam “diretamente apenas com a Petrobras, mas, ainda com outros órgãos da administração pública”, o ministro entendeu que a 13ª Vara de Curitiba não era “o juiz natural dos casos”.

Quais os próximos passos dos processos?

Fachin determina que os processos que haviam sido julgados por Curitiba sejam remetidos à Justiça Federal do Distrito Federal, local onde teriam sido cometidos os crimes de que Lula é acusado. A Segunda Turma da Corte ainda deve analisar o caso, depois de a PGR anunciar que irá recorrer da decisão monocrática. Não há data prevista para essa apreciação.

A Segunda Turma do Supremo é formada pelo ministro Gilmar Mendes, que a preside, e pelos ministros Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Kassio Nunes Marques.

Caso a decisão de Fachin se mantenha, os processos recomeçam do zero. Caberá à Justiça Federal do Distrito Federal decidir se os autos dos processos do triplex do Guarujá, do sítio em Atibaia e do Instituto Lula devem ser validados ou reaproveitados.

Se a Segunda Turma reverter a decisão monocrática de Fachin, a defesa de Lula pode entrar com os chamados embargos de declaração, cabíveis em qualquer decisão em que a defesa reconheça omissão, contradição ou obscurantismo.

Além disso, o petista também poderia ingressar com um recurso extraordinário no Supremo que, se aceito, levaria o caso a ser analisado novamente e à escolha de um novo relator.

E a suspeição de Moro?

O ministro Fachin anulou os “atos decisórios” dos processos e declarou, assim, a perda de objeto do HC 164.493, que trata da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e que se encontra com pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

O caso entrou na pauta da Segunda Turma no último dia 9 e foi interrompido após o ministro Nunes Marques pedir mais tempo para a análise. Naquele momento, o placar estava em 2 a 2.

Nesta terça-feira (23), no entanto, Nunes Marques deve apresentar seu voto e, com isso, o julgamento prossegue. O relator do tema na 2ª Turma, ministro Gilmar Mendes, decidiu pautar o caso para esta terça após Nunes Marques informar que seu voto estava pronto.

Mendes, seguido do ministro Ricardo Lewandoski votou pela suspeição no caso do triplex do Guarujá, que envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já o relator da Lava Jato, Edson Fachin, e a ministra Carmen Lúcia votaram a favor do ex-juiz Moro.

Para esse HC sobre Moro, a defesa de Lula argumenta, baseada em diálogos hackeados de grupos do Telegram da Lava Jato e outros elementos, que a relação próxima entre o ex-juiz e os procuradores do caso acabaram por favorecer a condenação do petista.

Caso a incompetência da 13ª Vara de Curitiba seja confirmada, o processo sobre a suspeição de Moro é automaticamente anulado e as provas produzidas para se chegar às condenações podem continuar valendo.

Mas, se Moro for considerado suspeito ou impedido, as provas produzidas enquanto ele estava no processo são inválidas – porque em caso de suspeição todos os atos do juiz são nulos, o que inclui os atos decisórios e instrutórios.

O que muda para a Lava Jato?

A decisão do ministro Fachin apenas reconhece a incompetência de Moro para julgar o caso envolvendo Lula, que não tinha corréus nessas ações – a tese jurídica de que os casos que não envolvessem a Petrobras não seriam afetados pela Vara de Curitiba já havia vencido em outros casos e existe a possibilidade de outros réus entrarem com pedido de “extensão de efeitos”, o que, na prática, pode estender a decisão de Fachin para outros casos semelhantes.

A questão é que, indiretamente, ao declarar a incompetência de Curitiba para julgar as ações de Lula, Fachin anula automaticamente a ação sobre suspeição de Moro. E, nesse sentido, o ministro protege a Lava Jato e suas outras frentes de atuação, já que um eventual reconhecimento de ilicitude a partir dos áudios dos procuradores com Moro poderia atingir toda a Lava Jato na sequência.

O debate na Segunda Turma deve incluir, portanto, se a ação sobre a suspeição de Moro deve ou não prosseguir. O relator do caso é o ministro Gilmar Mendes.

O que pode acontecer com Lula?

Ainda é difícil fazer uma previsão do que pode acontecer, se o processo volta ao início, o juiz do DF retoma o caso usando as provas de Curitiba ou se pode haver a prescrição. Doutrina e jurisprudência destoam a respeito e depende muito da visão de cada juiz.

O mais comum é que se atenham ao que ficou sugerido na própria decisão do STF e seja convalidada as provas produzidas em Curitiba, proferindo-se apenas novos atos decisórios, o que economizaria tempo nos processos. Mas o artigo 567 do Código de Processo Penal (CPP) permite ao juiz decidir sobre o aproveitamento das provas.

Para alguns especialistas, nesse caso, até para não se macular mais o processo e correr o risco de nova anulação futura, seria prudente reiniciar a coleta de provas.

Já a prescrição dependerá da idade do réu e da pena eventualmente a ser aplicada a cada envolvido no processo. Lula tem mais de 70 anos – e, segundo o CPP, a prescrição tem prazo reduzido pela metade neste caso, o que poderia fazer alguns crimes terem a punibilidade extinta.

Lula pode ser candidato em 2022?

Lula foi preso em abril de 2018, condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de detenção, em regime inicialmente fechado. Ele foi solto em novembro de 2019 após ter sido beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a prisão após a condenação em segunda instância.

Lula era considerado inelegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. A decisão de Fachin movimenta o cenário político, devolvendo à corrida de 2022 a possibilidade de Lula ser candidato – e reacendendo a polarização com o presidente Jair Bolsonaro. Mas ainda há muitos passos jurídicos antes da eleição presidencial.

Caso as ações contra Lula fiquem mesmo no DF, o juiz pode eventualmente recondená-lo e as sentenças serem confirmadas pelo TRF-2. Nessa situação, Lula voltaria a ser inelegível. Além disso, novas condenações poderiam surgir.

Caso contrário, se Lula não sofrer novas derrotas até abril de 2022, prazo máximo para anunciar sua candidatura, ele estará apto para concorrer.

Relembre os processos contra Lula anulados por Fachin

Triplex no Guarujá

O ex-presidente foi condenado em 2017 pelo então juiz Sergio Moro, que atuava na 13ª Vara Federal de Curitiba, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá.

De acordo com a decisão da época, Lula teria recebido o imóvel como propina da construtora OAS em troca de favorecimento em contratos com a Petrobras, o que o petista nega.

A decisão foi confirmada na segunda instância pela 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e mantida pela 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que fixou a pena de 8 anos e 10 meses de prisão.

Foi essa condenação que levou Lula à prisão em abril de 2018. Em novembro de 2019, ele foi solto após o STF mudar o entendimento sobre a prisão em segunda instância e definir que um condenado só pode ser preso após trânsito em julgado, ou seja, ao fim de todos os recursos.

Sítio de Atibaia

Em 2019, o ex-presidente foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro por ter, supostamente, recebido propina da OAS e da Odebrecht por meio de reformas no sítio que ele frequentava com a família.

Apesar de o imóvel não estar no nome de Lula, a juíza substituta Gabriela Hardt considerou que era “amplamente comprovado que a família do ex-presidente Lula era frequentadora assídua no imóvel, bem como que o usufruiu como se dona fosse”.

A decisão foi confirmada pelo TRF-4, que fixou a pena de 17 anos e 1 mês de prisão.

Instituto Lula

Além das condenações nos dois processos, o ex-presidente também era réu, na Justiça Federal do Paraná, em dois casos envolvendo o Instituto Lula, fundação sem fins lucrativos dedicada à manutenção do seu legado.

No primeiro deles, o petista é acusado de ter recebido um terreno de R$ 12 milhões para a construção de uma nova sede para a organização como propina da Odebrecht.

No segundo, Lula também é acusado de ter recebido R$ 4 milhões em propinas da empreiteira disfarçadas de doações à fundação. Em fevereiro, o TRF-4 manteve a suspensão dessa ação.

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Fontes: Gustavo Badaró (professor titular de Processo Penal da USP, advogado e consultor jurídico); André Galvão (advogado criminalista do escritório Bidino & Tórtima); Ana Fuliaro (advogada especialista em Direito Eleitoral da Fidalgo Advogados); Daniel Bialski (advogado criminalista, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim); e Thaís Aroca Datcho (advogada especialista em Direito Penal e mestre em Processo Penal pela USP)

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