Ainda que favorável à prisão após condenação em segunda instância, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin minimizou ontem os possíveis efeitos da derrubada da medida nos processos da Operação Lava-Jato, dos quais é relator. A fala do ministro denota o clima, nos bastidores da Corte, de que a execução antecipada da pena de fato será barrada pelo plenário no julgamento, cuja retomada ocorre hoje.
Ao chegar para a sessão plenária de ontem, o ministro disse, em uma rara fala a jornalistas, que a eventual mudança de jurisprudência – atualmente, a detenção após sentença de segundo grau é permitida pelo STF – não ameaça os processos decorrentes da investigação.
“Não vejo efeito catastrófico”, disse Fachin, que também não crê em um “libera-geral” como consequência. Segundo ele, no lugar da execução antecipada da pena, o juiz poderá decretar a prisão preventiva, caso entenda necessário. O ministro avalia que as solturas não vão se dar de forma automática, mas analisadas caso a caso.
Com placar parcial de 4 a 3 pela constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, o Supremo retoma hoje a análise das ações. A tendência é a de que haja uma virada.
Com os conhecidos votos dos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello (contrários à prisão antes do trânsito em julgado) e Cármen Lúcia (favorável), a atribuição de desempatar recairá justamente sobre o presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli.
Ele tem dito que ainda não concluiu seu voto e que a sua manifestação tem um peso maior em relação às dos demais colegas: o da cadeira da presidência.
Toffoli chegou a costurar uma saída intermediária, segundo a qual a prisão ocorreria após condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entanto, ao oficializar ao Congresso proposta de alteração na lei para evitar a prescrição de crimes, fortaleceu-se a tese de que ele irá aderir à corrente do trânsito em julgado.
De acordo com auxiliares do ministro, foi a maneira que o presidente encontrou de sinalizar à sociedade que a queda da prisão após condenação em segundo grau não leva à impunidade – mas que equacionar isso é a atribuição do Legislativo, enquanto ao STF caberia puramente interpretar a Constituição.
Embora estejam todos na mesma corrente de votos, Fachin adota um tom mais ponderado do que os colegas Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, que costumam classificar como incentivo à impunidade a permissão da prisão apenas ao fim definitivo do processo.
“Entendo que não (abre caminho à impunidade). O que contribui para a percepção de impunidade é o tempo demasiado entre o início e o fim do processo penal. Esse é o grande desafio que o Poder Judiciário tem: de iniciar e concluir os processos penais nos termos da Constituição, em lapso de tempo razoável”, disse ontem o relator da Lava-Jato.
Sobre os impactos do resultado no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fachin se esquivou – afirmou que “ninguém sairá declarado inocente”, independentemente do resultado. “Estamos apenas decidindo qual é o marco inicial do cumprimento da pena. Não estamos discutindo se alguém será declarado culpado ou inocente.”
O ministro ainda disse ver com simpatia a solução sobre o STJ – caso em que Lula não seria solto, pois já foi condenado em terceiro grau. “A tese se aproxima do ponto das ideias que tenho sustentado, de que não é necessário o trânsito em julgado”, disse. Contudo, para ele, o marco temporal atual ainda é o cenário mais adequado. “Na segunda instância, acaba o julgamento sobre as provas. O Supremo e o STJ não reveem provas, não discutem mais os fatos.”
Ontem, Toffoli recebeu um manifesto assinado por apenas 75, dos 513 deputados, em favor da manutenção da jurisprudência. No Senado, uma carta aberta com o mesmo objetivo teve mais adeptos – 43 dos 81 senadores.
No STF, hoje, está em discussão o princípio da presunção de inocência. Moraes, Fachin, Barroso e Fux dizem não haver violação, uma vez que os recursos às instâncias superiores não podem suspender os efeitos de uma condenação. Já Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski dizem que a Constituição é “cristalina” ao dizer que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado.
Caso o Supremo derrube a medida, a força-tarefa da Lava-Jato prevê que ao menos 38 réus presos sejam beneficiados, entre eles Lula, preso em Curitiba. Ontem, Fachin pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, um parecer sobre a possibilidade de o ex-presidente progredir para o regime semiaberto. (Colaboraram Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro)