Por André Guilherme Vieira e Estevão Taiar | De São Paulo
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) instaurou 30 inquéritos civis para apurar se houve atos de improbidade administrativa em contratos para obras de infraestrutura, transporte e serviços estimados em ao menos R$ 9 bilhões, no período de 2006 a 2012. São investigados políticos e agentes públicos que ocuparam cargos nos governos municipal e do Estado de São Paulo. As investigações derivam de informações que vieram à tona na megadelação de empresários e executivos da Odebrecht, no ano passado.
Estão na lista o ex-governador e atual senador José Serra (PSDB-SP), o ex-chefe estadual da Casa Civil e hoje ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), os ex-prefeitos de São Paulo Fernando Haddad (PT) e Gilberto Kassab (PSD) – que atualmente ocupa o ministério de Ciência, Tecnologia e Comunicações -, além de um aliado do governador e presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Campos Machado (PTB).
Também são alvos das investigações conduzidas pelos promotores de São Paulo o secretário de Habitação de Alckmin, Rodrigo Garcia (DEM), e o ex-deputado federal Gabriel Chalita (PDT-SP). O inquérito de Garcia, no entanto, deverá ser remetido ao Ministério Público Federal (MPF). Apesar de ser secretário de Estado, Rodrigo Garcia é deputado federal licenciado do cargo e teria recebido caixa dois eleitoral no exercício do mandato para a disputa de 2010, de acordo com os depoimentos dos delatores da Odebrecht.
Gilberto Kassab já responde à ação por supostos enriquecimento ilícito e improbidade administrativa ajuizada pelo MP-SP em dezembro. O ministro é suspeito de ter recebido R$ 21 milhões em propinas da Odebrecht durante seus mandatos de prefeito (2006-2012), e de usar os recursos para fundar o seu partido, o PSD, em 2011. A ação civil foi resultado de uma ‘auto-composição’ firmada pela Odebrecht com a promotoria, espécie de leniência municipal. Nesse e em outros três processos cíveis, a Odebrecht se comprometeu a ressarcir os cofres públicos em R$ 35 milhões, dos quais 90% deverão ser destinados à prefeitura paulistana.
Campos Machado teria recebido R$ 50 mil da Odebrecht para a campanha eleitoral de 2010. Os delatores disseram que o dinheiro teve origem no Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, espécie de tesouraria da propina do grupo.
Também foram delatados como supostos destinatários de caixa dois para a eleição de 2010 os deputados estaduais tucanos Barros Munhoz, Ricardo Montoro e Roberto Massafera.
Já o ex-prefeito Fernando Haddad teria recebido caixa dois da Odebrecht para a eleição que venceu em 2012. Em outro inquérito civil, o petista está sendo investigado pelo suposto recebimento de R$ 2,6 milhões não contabilizados da UTC Engenharia que também teriam irrigado sua campanha.
Na esfera de investigação cível não existe privilégio de foro para autoridades, ao contrário do que acontece em inquéritos e processos de natureza penal, como os da Operação Lava-Jato.
A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social do MP-SP tem autorização para investigar fatos relacionados a servidores e ex-servidores da prefeitura paulistana e do Estado. Alguns casos enviados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a São Paulo, envolvendo deputados federais e senadores, já foram remetidos ao MPF. Caberá à Procuradoria da República da capital paulista investigar os parlamentares federais na esfera cível.
Os inquéritos civis foram formalizados a partir do segundo semestre do ano passado por investigadores estaduais responsáveis pelo combate a ilegalidades ocorridas na Administração Pública e cometidas por agentes no exercício da função ou em decorrência dela.
Todas as investigações na esfera cível foram abertas para verificar depoimentos e evidências apresentados pelos 77 delatores da Odebrecht que firmaram acordos de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR) homologados pelo Supremo em abril.
Lista de investigados inclui Serra, Kassab, Haddad, Aloysio Nunes, Rodrigo Garcia, Chalita e Campos Machado
A promotoria também teve acesso ao programa ‘Drousys’, sistema de informática usado para comunicação pelos funcionários da Odebrecht que integravam o setor de propinas do grupo. Um investigador explicou que o sistema opera de forma cronológica, fato que, na avaliação dele, facilita o uso das informações para a produção de provas.
O MP paulista, no entanto, não aderiu ao acordo de leniência firmado pelo MPF em Curitiba e validado pelo juiz federal Sergio Moro, que conduz a Lava-Jato nos processos relacionados à Petrobras. A leniência é como um acordo de delação premiada assinado pela pessoa jurídica.
Mas em agosto do ano passado, a 3 ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reconheceu, por unanimidade, a existência de vício no acordo de leniência da Odebrecht. Criou-se, então, um ambiente de insegurança jurídica para o andamento das investigações na esfera estadual.
O MP paulista comunicou a Odebrecht que a empresa teria de ajustar seu acordo nos âmbitos estadual e municipal, ou correr o risco de ser acionada como ré em futuras ações indenizatórias e por improbidade administrativa.
Até agora, os promotores do Patrimônio Público já tomaram os depoimentos de seis delatores da Odebrecht: Benedicto Júnior, Carlos Armando Guedes Paschoal, conhecido como ‘Cap’, Roberto Cumplido, Paulo Henyan Cesena, Paulo Ricardo Baqueiro de Melo e Paul Altit. Melo foi ouvido por videoconferência em Lima, no Peru. Já Altit prestou depoimento da Inglaterra, onde vive, também por videoconferência.
O calendário de depoimentos dos executivos da Odebrecht à Promotoria do Patrimônio Público começará a ser definido na semana que vem. Delatores que residem no Brasil deverão se deslocar até a sede do Ministério Público de São Paulo para prestarem esclarecimentos.
Para instruir o inquérito civil em que figuram como investigados José Serra, Aloysio Nunes e Paulo Vieira de Souza, a promotoria espera ouvir até fevereiro o ex-presidente da Odebrecht de 2002 a 2008, Pedro Novis, conforme apurou a reportagem.
Os promotores pedirão ao STF e à Polícia Federal (PF) o compartilhamento do depoimento prestado por Novis no dia 13 de junho do ano passado, em Brasília, que foi revelado pelo Valor na edição de terça-feira.
A promotoria quer detalhes sobre a suposta liberação de milhões em créditos da Desenvolvimento Rodoviário S.A (Dersa) em 2009 para a CBPO, em troca do suposto direcionamento de R$ 23,3 milhões desses recursos para abastecer a campanha presidencial do PSDB em 2010. Também estão no foco dessa investigação o engenheiro Paulo Souza, o ex-tesoureiro da campanha presidencial de Serra Márcio Fortes e o banqueiro e ex-deputado federal Ronaldo Cézar Coelho.
As suspeitas envolvendo a execução de obras do Rodoanel são consideradas prioritárias pelos investigadores. Por isso, Souza também deverá ser intimado a prestar depoimento a partir de fevereiro, segundo promotores ouvidos pela reportagem.
Estão na alça de mira dos inquéritos civis obras públicas licitadas e executadas ao menos no período de 2006 a 2012, entre as quais o projeto para construção da Linha 6 – Laranja do Metrô de São Paulo, que sozinha envolve valores da ordem de R$ 8 bilhões, segundo o MP-SP.
Outro projeto com suposta propina delatada pela Odebrecht e que já havia aparecido nas investigações da Operação Lava-Jato conduzidas pela força-tarefa de Curitiba é o da duplicação da rodovia Mogi-Dutra, anunciado em 2014, no primeiro mandato de Geraldo Alckmin. Um manuscrito apreendido durante as investigações sugere formação de cartel e pagamento de propina de 5% sobre o valor de contrato para o “Santo”, que se trataria de um executivo de carreira do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), segundo o MP-SP. O atual governador não é investigado neste inquérito, nem nos outros procedimentos até agora instaurados.