Decisão da 3ª Seção do STJ diferencia situação de autorização concedida pelo STF
Por Bárbara Pombo — De São Paulo
10/02/2022 05h04 Atualizado há 2 horas
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) colocou um freio na troca de informações entre a Receita Federal e o Ministério Público. Proibiu que o órgão de acusação peça dados de contribuintes diretamente ao Fisco, sem autorização judicial. A decisão foi proferida ontem pela 3ª Seção da Corte – que uniformiza o entendimento das turmas de direito penal.
O placar foi apertado: 5 votos a 3. A maioria dos ministros seguiu o posicionamento do relator, Sebastião Reis Junior. Para ele, sem ordem da Justiça, é ilegal o envio de dados com a proteção do sigilo fiscal – como declarações de Imposto de Renda (IR) – para subsidiar investigações ou processos criminais. “O acesso a informações sigilosas é exceção à regra”, afirmou. “Não estou votando para impedir o MP de ter acesso. Não estou criando obstáculo. Pode ter, mas depois da autorização judicial”, concluiu.
O ministro Rogerio Schietti entendeu diferente e puxou os votos divergentes. Para ele, a conduta do Ministério Público de fazer os requerimentos diretamente ao Fisco não é ilegal. Entre os argumentos, ponderou que existe uma “transferência” de dados entre o MP e a Receita, sem que haja quebra de sigilo. “A preservação da intimidade e privacidade não é afetada”, disse.
De acordo com o ministro, com o intercâmbio, cabe aos procuradores manterem a guarda das informações, sob pena de serem responsabilizados. “Não se trata de fishing expedition [investigação aleatória]. Havia indicações de crimes, tanto que foi oferecida a denúncia. O MP procurou prova mais robusta da existência do crime”, afirmou Schietti, citando tendência de outros países para o compartilhamento de informações.
O julgamento durou três horas e foi realizado a partir de dois recursos (RHC 83447 e RHC 83233). Em um deles, o Ministério Público Federal havia solicitado diretamente ao Superintendente da Receita Federal as declarações de Imposto de Renda do réu, dos familiares dele e de empresas, referentes aos anos de 2005 a 2013. Ele é acusado de estelionato, falsidade ideológica e uso de documento falso por supostamente usar o cargo de leiloeiro para adquirir os bens submetidos ao leilão.
Em sustentação perante os ministros, o procurador do MPF Francisco Xavier defendeu a legalidade da medida. “Não se trata de dar cheque em branco ao MP”, disse.
Com a decisão do STJ, foi aceito o pedido da defesa dos réus para as declarações do Imposto de Renda serem retiradas do processo penal e, com isso, serem desconsideradas pelo juiz que vai julgar os casos.
A maioria dos ministros concordou com o argumento das advogadas Danyelle da Silva Galvão e Ana Carolina de Oliveira Piovesana – defensoras dos acusados – de que a situação é diferente da julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019. Na ocasião, os ministros autorizaram a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, a compartilharem com o Ministério Público informações em casos de crime tributário e previdenciário, sem necessidade do prévio crivo do Judiciário (RE 1055941).
“Uma coisa é a Receita Federal identificar indício de crime e comunicar os órgãos de acusação. Outra é, sem qualquer tipo de controle judicial, o MP solicitar informações sigilosas detalhadas. Tal conduta não tem amparo legal”, afirmou o Sebastião Reis Junior.
O ministro Olindo Menezes acrescentou que o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, protege a intimidade e a privacidade das pessoas. Além disso, afirmou que o argumento segundo o qual existe apenas uma transferência de informações entre os órgãos não elimina a discussão. Isso porque o Ministério Público não é autorizado a ser repositário dos dados. “Se o MP tivesse pedido autorização judicial, o processo já estaria adiantado. Evitaria discussões”, disse.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi citada pelo ministro Saldanha Palheiro, para quem “seria abrangente e preocupante a autorização de o órgão de persecução ter liberdade de solicitar informações de quem entender pertinente”. Para o ministro João Otávio de Noronha, o “cheque em branco” dado ao MP implicaria em fiscalização constante de todo cidadão.
Advogados apontam que a decisão é relevante para impor freios no poder do MP de investigar e pedir diligências e pode ser aplicada também para Fiscos municipais e estaduais bem como para os MP´s estaduais. “Não é porque o crime é grave que pode relativizar uma garantia. Além disso, urgência não há porque esse tipo de prova é estática – ela não vai desaparecer”, afirma Fernando Gardinali Caetano Dias, mestre em processo penal pela Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Kehdi & Vieira Advogados.
Daniel Bialski, sócio do escritório que leva seu sobrenome, aponta ainda que é do Judiciário o papel de avaliar a necessidade, a adequação e a existência de indícios suficientes para a solicitação da informação. “Que não deixa de ser drástica e que, de alguma forma, pode causar constrangimento”, diz.