Em cerimônia de abertura do ano judiciário, presidente do Supremo afirmou que é ‘inadmissível e inaceitável desacatar a Justiça’ e que sem ‘Justiça não há paz’
Julia Affonso e Luiz Vassallo
02 Fevereiro 2018 | 05h10
O discurso da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, na abertura do ano judiciário nesta quinta-feira, 1, agradou a juristas. Durante cerimônia que reuniu a cúpula dos três poderes, a ministra afirmou que é ‘inadmissível e inaceitável desacatar a Justiça’ e que sem ‘Justiça não há paz’.
“Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial, pelos meios legais, pelos juízos competentes. É inadmissível e inaceitável desacatar a justiça, agravá-la ou agredi-la. Justiça individual fora do Direito não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal”, discursou Cármen.
“Sem liberdade, não há democracia. Sem responsabilidade, não há ordem. Sem justiça, não há paz.”
O criminalista Fernando Castelo Branco, coordenador do curso de pós-graduação de Direito Penal Econômico do IDP-São Paulo, concordou com a presidente da Corte máxima. Para o advogado, decisões judiciais se cumprem, existindo meios legais para se tentar rever essas decisões.
“Em linhas gerais, em qualquer Estado democrático, as decisões devem ser cumpridas e respeitadas, não podendo haver uma subversão aos mandamentos legais, ao poder constituído”, afirma.
Fernando Castelo Branco ressalta, porém, que a Corte é suprema e não absoluta. “Vale dizer que acima do Supremo está a Constituição. E nenhuma corte pode subverter a ordem constitucional”, aponta.
“Quando os operadores do direito se levantam contra uma decisão que entendem agredir a Constituição e, principalmente, quando essas agressões ferem de morte cláusulas pétreas, é um momento de intranquilidade, já que, no futuro, outros princípios constitucionais da liberdade individual e tantas outras garantias poderão estar também numa situação de risco.”
Para o advogado Gustavo Henrique D. Paniza, do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados, a presidente do Supremo representa uma das vozes mais poderosas e experientes no meio jurídico nacional.
“Em tempos obscuros e de crise política, nos quais o Brasil se encontra, há uma linha tênue que separa a crítica relevante e construtiva, da polêmica cruel e passional, que visa causar somente a revolta e a divisão da população, com finalidades, quase sempre, políticas”, destaca Panisa.
“Desta feita, não há dúvidas de que o Poder Judiciário necessita de melhoras e de retificações, porém não se deve descreditar, genericamente, um órgão julgador ou até mesmo qualquer funcionário que integrar os seus quadros, pois se trata do pilar mais importante ao Estado. O desrespeito aos seus atos e decisões jamais deve ser incentivado, pois sua ausência significaria o fim do estado democrático de direito.”
Na avaliação do criminalista Daniel Bialski, do escritório Bialski Advogados, Cármen Lúcia tem razão em sua manifestação, ‘porque não é esbravejando na imprensa que se muda uma decisão proferida sob as garantias constitucionais, pelo Poder Judiciário’.
“Possíveis questionamentos devem ser debatidos na via própria, o que ocorre dentro do âmbito recursal possível e cabível”, destaca.
Já para o constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, o discurso da ministra, ‘com nítido destaque contra a inadmissibilidade de agressões à Justiça, é louvável ao revelar a necessidade incondicional de respeito à Constituição Federal e o acatamento irrestrito à lei’.
Daniel Bialski e Adib Abdouni afirmam, no entanto, que a Suprema Corte não pode suplantar a lei escrita. Para Abdouni, o Supremo agrediu a Constituição ao alterar a sua jurisprudência — autorizando a execução provisória da pena após recursos em 2.º instância.
“A presunção de inocência é garantia fundamental do cidadão, prevista no artigo 5º, inciso LVII da Constituição. Portanto, enquanto houver direito a recurso — o que não deve ser confundido com desrespeito à Justiça ou à decisão judicial —, a garantia do postulado de não culpabilidade deveria ser resguardada pelo STF, sob pena de enfraquecer o Estado Democrático de Direito e a própria Justiça”, assinala.
Na opinião de Bialski, ‘acaso se queira impor prisão a partir de julgamento de 2º grau, deve-se, assim como ocorre com a Lei da Ficha Limpa, modificar a legislação’.
“Por isso, aguardemos que a Suprema Corte reexamine o tema e decida conforme impõe a norma ordinária. Ou, que nossos legisladores mudem a lei. Não podemos ficar vivendo neste impasse de mudanças que afetam um bem valiosíssimo, que é a liberdade”, afirma.
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