Para juristas, eventual nulidade absoluta alertada por Fachin tem chances remotas de ocorrer
Por André Guilherme Vieira e Bárbara Pombo — De São Paulo
Apesar de o ministro Edson Fachin ter alertado para eventual risco de anulação total da Operação Lava-Jato com a decisão tomada ontem pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o entendimento firmado por 3 votos a 2 deve ficar restrito ao processo do tríplex do Guarujá que envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, segundo advogados entrevistados pelo Valor.
A Turma entendeu que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao julgar o petista no caso do apartamento, condenando-o pelo suposto recebimento de propina na forma do imóvel, paga pela empreiteira OAS, segundo a Lava-Jato.
A decisão, no entanto, não impede que outros réus da Lava-Jato de Curitiba pleiteiem a suspeição de Moro com argumentação análoga à apresentada pela defesa de Lula. Um magistrado é considerado “impedido” ou “suspeito” para julgar um acusado quando se reconhece que ele tomou o lado de uma das partes, violando o preceito jurídico de que o julgador deve ser neutro para decidir de forma justa.
“Importante pontuar que a suspeição diz respeito a uma relação que vincula o julgador e uma das partes”, afirma a ex-procuradora e desembargadora federal aposentada Cecilia Mello.
A advogada ressalta que as provas obtidas na investigação sobre “hackers” que tiveram acesso a conversas de Moro e procuradores da Lava-Jato, obtidas de seus celulares e que constam dos autos julgados pelo STF, não foram usadas para acusar Moro.
“Essa interpretação não tem nenhuma divergência na doutrina e na jurisprudência e a prova obtida por meio ilícito não pode ser utilizada pela acusação, mas seu uso pela defesa sofre amenizações”, diz a advogada. “É nesse sentido que tais provas foram consideradas pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski”, conclui Cecilia Mello.
Para Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV Direito SP e coordenador do Supremo em Pauta, os ministros da Segunda Turma tiveram o cuidado de não declarar a suspeição de Moro com base nas mensagens “hackeadas”.
“Nenhum deles quer ser acusado de fundamentar a suspeição em provas ilegais. A menção a essas mensagens é uma forma de fazer o posicionamento político sem gerar complicações jurídicas para a fundamentação das decisões”, afirma.
“A questão central foi embasada pela conduta de Moro específica para as interceptações telefônicas de advogados que atuaram na defesa do Lula”, diz o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini.
Segundo ele, outros réus da Lava-Jato julgados por Moro, que também foi ministro de Jair Bolsonaro, poderão suscitar a suspeição do ex-magistrado que tutelava a Lava-Jato do Paraná.
“Mas sempre individualmente, não é algo com efeito automático. Para estender a suspeição a outros processos será preciso demonstrar, caso a caso, que houve decisões parciais do ex-juiz Moro”, afirma Bottini
Advogado de Fernando Bittar, um dos réus na ação do sítio de Atibaia cuja posse foi atribuída a Lula pela Lava-Jato, Alberto Toron afirma que vai estudar se a decisão de ontem pode ser aproveitada para a tese de defesa de seu cliente.
Na avaliação do criminalista, a fala do ministro Fachin de que a decisão de suspeição de Moro pode ser usada retoricamente para outros casos e gerar um efeito cascata para a Lava-Jato, é o argumento de quem quer minar o reconhecimento da suspeição no caso concreto.
“Isso não seria justiça, mas um simulacro de justiça”, diz Toron.
Já a advogada Fernanda Tórtima destaca que a decisão da Turma do STF mantém os direitos políticos de Lula.
“A consequência do julgamento de ontem recai apenas sobre o processo do tríplex do Guarujá. Como Lula não está condenado por nenhum outro tribunal em segunda instância, o presidente esta elegível neste momento”.
Para o advogado mestre em processo penal pela PUC de São Paulo, Daniel Bialski, a decisão da Segunda Turma deu a largada para que outros condenados por Moro busquem a anulação de seus processos penais.
“Certamente muitos réus tentarão requerer a extensão não desse julgado, porque não se aplica, mas a extensão do raciocínio e do precedente para buscar a anulação de seus processos. Mas caberá aos tribunais e ao STF dizer se é caso de anulação ou não”.
Advogado e professor de processo penal, Rodrigo Faucz Pereira e Silva considera “extremamente improvável” que uma anulação completa da Operação Lava-Jato decorra da decisão tomada pela Turma do Supremo.
“É uma possibilidade que eu considero remotíssima. Até porque o conteúdo das conversas de Moro com os procuradores, se forem consideradas favoravelmente à defesa dos demais réus, isso ainda terá de ser judicialmente enfrentado. Então a anulação pode acontecer individualmente, caso a caso, envolvendo todos os elementos que possam configurar e embasar uma parcialidade do ex-juiz Moro”.
Davi Tangerino, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é cético sobre o potencial da decisão se estender para outros réus.
“Vai ser muito difícil provar a suspeição de forma tão eloquente como a defesa do Lula fez”.
Segundo ele, ficou em aberto a discussão sobre a validade das mensagens “hackeadas” entre procuradores da Lava-Jato e o ex-juiz Moro. “O STF não entrou nesse mérito, mas esse dia chegará”, prevê.
Fica pendente agora a definição do Supremo sobre a competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar quatro ações penais a que o ex–presidente Lula responde. No dia 8 de março, o ministro Edson Fachin, em uma decisão individual, anulou os processos ao se render ao entendimento majoritário da Corte de que denúncias sem relação direta com o caso de corrupção na Petrobras deveriam ser retiradas da alçada da Justiça de Curitiba.
Nessa mesma decisão, Fachin declarou que a suspeição de Sergio Moro teria perdido o objeto, ou seja, não teria mais motivo para ser analisada em razão da nulidade conferida ao processos de Lula.
Para um ex-ministro do Supremo, ainda haveria uma brecha para o plenário do Supremo reavaliar a decisão da Segunda Turma sobre o tema da suspeição. Ao confirmar a decisão monocrática de Fachin, o plenário da Corte pode avaliar se, de fato, houve a perda de objeto da suspeição. Segundo a fonte ouvida pela reportagem, o STF ainda pode salvar a Operação Lava-Jato.
Procurado, Moro não se manifestou até o fechamento desta edição.