Criminalistas consideram acertada decisão do Supremo Tribunal Federal que, por 6 votos a 5, proibiu medida largamente usada na Operação Lava Jato
Luiz Vassallo e Victoria Abel, especial para o Estado
16 Junho 2018 | 05h24
O Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 votos a 5, proibir a condução coercitiva. A medida já havia sido suspensa em dezembro numa decisão liminar do ministro Gilmar Mendes. Votaram pela proibição, além de Gilmar, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Foram contrários ao instrumento largamente utilizado na Operação Lava Jato Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Para João Paulo Martinelli, professor de direito penal do IDP-São Paulo, ‘a condução coercitiva, da forma como vem sendo aplicada, não possui previsão legal’. “Qualquer medida que restrinja direitos, especialmente a liberdade, precisa ter previsão legal. O voto do ministro Celso de Mello foi magistral, uma aula de processo penal. O ministro lembrou que nosso Código de Processo Penal foi editado na vigência de um regime de exceção, a ditadura Vargas, período em que a Constituição era completamente diferente da atual”, diz.
Ainda segundo Martinelli, a medida não respeita a Constituição de 1988, pois a legislação permite o direito ao silêncio. Ele destaca ainda outras violações que seguem ocorrendo, “como a prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz ou a produção de provas pelo magistrado, quando este faz perguntas às testemunhas, como se fosse parte do processo”.
O criminalista Nelio Machado elogiou o resultado. “A decisão representa o retorno da Corte aos princípios universais de respeito às garantias da Constituição, implicando no encerramento do espetáculo medieval das conduções coercitivas”.
João Francisco Neto, também do Nelio Machado Advogados, segue a mesma linha. “Cuida-se de notável derrota, dentre outras tantas que estão por vir, daqueles que se empolgam com métodos repressivos inovadores e sem amparo na Lei”, avalia.
Contrário às conduções, Daniel Gerber, professor de Direito Penal e Processual Penal, diz que “a inconstitucionalidade do instituto é manifesta”. “Causa espanto o teor dos argumentos em sua defesa. Definitivamente, estamos em uma cultura punitivista e midiática. O discurso populista superou todas as mínimas garantias que um cidadão deve ter contra o Estado. Não é questão de impunidade, pois a aplicação da reprimenda deve ser certa para o autor de um delito. Mas é inviável se prender momentaneamente alguém pelo simples fato de querer escutá-lo e ser esse um instrumento adequado para tanto”, afirma.
“Tal viés não se sustenta nem por argumentos éticos – pois a tortura também era eficiente, em suas épocas – nem jurídicos – na medida em que o direito ao silêncio é garantia constitucional”, conclui Gerber.
Vera Chemim, advogada constitucionalista, faz um alerta. “A decisão poderá acarretar no aumento do número de prisões cautelares, entre elas, a ressurreição da prisão temporária, quando se fizer necessária à investigação ou ao processo penal, a menos que se criem outros mecanismos na seara processual penal que possam viabilizar a investigação e o próprio processo penal”.
Assim como Chemim, Claudia Vara, criminalista do San Juan Araujo Advogados, aprova a decisão de hoje, mas alerta para as prisões cautelares. “A condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade do investigado. Isso porque o obriga a comparecer em ato ao qual não é obrigado. Dessa forma, a decisão do STF foi acertada”.
“Todavia, preocupa a postura das instâncias ordinárias a partir de tal decisão, pois não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a substituição da condução coercitiva pela prisão cautelar, tendência essa que já foi verificada após a concessão da medida liminar pelo ministro Gilmar Mendes nos autos dessa ação, depois da qual houve expressivo aumento do número de prisões cautelares”, avalia.
Nathalia Rocha, especialista em Direito Penal Econômico, sócia do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados, vê na decisão um ‘alento’. “Aos que temem a impunidade, é importante que se tenha em vista que as investigações penais não serão prejudicadas, pelo contrário, serão legitimadas pelo respeito a garantias constitucionais, sobretudo ao direito a não autoincriminação”, afirma.
Para Alexandre Ribeiro Filho, criminalista do Vilardi Advogados, “já era tempo de uma correção de rumos que em nada irá prejudicar as investigações, mas que muito contribuirá para o respeito da dignidade dos investigados.”
O também criminalista Daniel Bialski entende que a decisão do STF referendou o respeito a alguns dos princípios que eram violados em todas as operações, que aconteceram durante os últimos anos. “Situações em que as pessoas eram obrigadas a ir na delegacia, obrigadas a prestar depoimento sem que tivessem o mínimo conhecimento a respeito do porquê estavam ali e, muitas vezes, sequer podiam contatar o próprio advogado. Esta decisão traz de volta um pouco desta segurança e uma série de direitos que devem ser preservados”.
“A decisão foi totalmente positiva e acaba, de uma vez por todas, com as ilegalidades que eram cometidas com intuito meramente de forçar uma eventual delação premiada. Acredito que a maioria dos casos na Lava Jato e outras operações, com uso da condução coercitiva, teve o propósito de intimidar os acusados. Isso não mais ocorrerá após a decisão do STF”, analisa Everton Seguro, criminalista do Peixoto & Cury Advogados.
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