Restrição de foro para ministros é vista com ressalva por especialistas

Advogados, penalistas e constitucionalistas, discutem decisão do Supremo que limitou prerrogativa especial para crimes cometidos no cargo e relacionados à gestão

 

Luiz Vassallo e Gabriel Wainer, especial para o Estado

13 Junho 2018 | 14h43

 

A decisão da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que limitou o foro privilegiado de ministros apenas para crimes cometidos no cargo e relacionados à gestão, foi questionada por especialistas. Em maio, o plenário da Corte já havia adotado a mesma posição para senadores e deputados federais. Nesta terça-feira, 12, por quatro votos a um, a 1.ª Turma chegou ao entendimento. Eles discutiram o assunto em decorrência de uma denúncia contra o ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MT).

 

Para Nathalia Rocha, especialista em Direito Penal Empresarial, sócia do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados, a decisão do plenário do STF em maio, de restrição do foro privilegiado aos parlamentares, ‘é fundamentada de tal modo que serve de eixo teleológico para que as turmas do STF e STJ estendam o entendimento a todos os detentores de cargos previstos na Constituição Federal e nas constituições estaduais’.

 

“É justamente sobre esse caráter de princípio geral que está o perigo. A preocupação com a impunidade é válida. Mas não se pode perder de vista a finalidade protetiva do foro privilegiado albergado na Constituição, que seus detentores não sofram perseguições políticas”, alerta Nathalia Rocha.

 

A advogada constitucionalista Vera Chemim aponta incoerência no entendimento da Corte. “Partindo do pressuposto de que a maioria dos atos ilícitos cometidos por agentes públicos e políticos são inevitavelmente, de improbidade administrativa, eles deveriam permanecer no STF, pois estão relacionados ao exercício de sua função pública. A questão, aparentemente complexa remete ao fato de que os atos de improbidade administrativa podem ter dupla sanção, ou seja, civil e penal, concomitantemente à possibilidade de ser considerado um crime de responsabilidade””, afirma Chemim, indicando ambiguidade na sentença.

 

Para demonstrar as várias sanções que um agente público está sujeito, ela cita como exemplo um político que recebe propina para beneficiar uma determinada empresa. “Trata-se do cometimento simultâneo de crime de corrupção passiva e de ato de improbidade administrativa traduzido no enriquecimento ilícito, ambos relacionados ao seu mandato e ao exercício de sua função pública. Acrescente-se ainda que, no caso de presidente da República ou ministro de Estado, ocorre o crime de responsabilidade”.

 

Daniel Gerber, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal, critica a possibilidade de casos envolvendo ministros de Estado irem à primeira instância. “Realmente causa espanto todas as modificações de interpretação do Supremo nos últimos tempos. Esta, por exemplo, que diz respeito à prerrogativa do foro e que atinge tão somente a classe política, nos coloca na complexa situação de permitirmos que um ministro de Estado sofra medidas cautelares contra si, derivadas de um juízo de primeira instância – que não raras vezes é comandado por recém-concursados e que ainda estão adquirindo experiência na própria profissão. Definitivamente, surge de tais decisões uma insegurança que não permite a ninguém mais prever quais os caminhos serão trilhados por nossa ordem jurídica”.

 

Everton Seguro, especialista em Direito Penal Empresarial do Peixoto & Cury Advogados, faz a ressalva que a decisão ainda poderá ir a plenário. “Vale lembrar que a regra vigente decidida no plenário do STF sobre o foro privilegiado não abarca ministros de Estado, mas sim deputados e senadores. Acredito que caso seja decidido diferentemente pela Segunda Turma do STF em situação semelhante, nada impede de nova provocação ao plenário do STF para decidir de uma vez por todas essa questão de quais cargos poderão usufruírem da regra do foro privilegiado, além dos deputados e senadores”.

 

O criminalista Daniel Bialski, porém, aprova a decisão do STF. “Essa decisão reflete o espírito do entendimento tomado pelo plenário sobre o tema. Certamente e se começa a observar isso, o STF está limitando o que verberou sobre sua competência originária, afirmando que não existirão exceções as premissas estabelecidas”.

 

Da mesma maneira entende Luciano Santoro, do Fincatti Santoro Sociedade de Advogados e Professor de direito penal e processo penal da UNIP. “A decisão da Primeira Turma está em consonância com o decidido pelo Plenário da Corte Suprema em maio passado para deputados e senadores. E assim deverá o ser para os membros de todos os Poderes da República, sob pena de ofensa aos princípios da isonomia, da independência e da harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.”

 

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