O Supremo Tribunal Federal reabriu, esta semana, uma polêmica muito debatida no passado pela doutrina, pelos operadores do Direito e pelos Tribunais. A corte decidiu, por maioria de votos, que o condenado já pode iniciar o cumprimento de pena de prisão após o julgamento em segunda instância – ainda que existente recurso para as Cortes Superiores (STJ e STF).
Todavia, apesar do momentâneo alarde que se faz, a decisão deve ser interpretada adequadamente. A Suprema Corte esclareceu que o acusado poderá iniciar o cumprimento da pena. Não está expresso que deverá. A corte, no entanto, deixou a entender que em todo e qualquer caso, julgado em segundo grau, a expedição da ordem de prisão deverá ser automática. Mas, inicialmente, é preciso se pontuar que nada obstante o novo entendimento explicitado, princípios de ordem processual e constitucional deverão ser preservados.
Assim, eventual decisão condenatória em primeira instância e que condicionou a expedição de ordem de prisão à coisa julgada não pode sofrer implementação, se não houve recurso por parte da acusação. Ou seja, se o Ministério Público não recorreu neste aspecto, o órgão colegiado – a Corte de 2ª instância – não poderá determinar a prisão de ofício, sob pena de incorrer em reformatio in pejus.
Essa questão não é nova e no passado não tão remoto já foi exaustivamente examinada pelos Tribunais. Prevaleceu a regra de obediência da formalidade. E este entendimento deverá ser renovado.
Em um caso relatado no STJ pelo ministro Jorge Scartezzini, ficou decidido da seguinte forma: “Se a sentença condenatória condiciona, expressamente, a expedição de mandado de prisão após o trânsito em julgado e de tal decisão não recorre a acusação, descabe ao Tribunal, por ocasião da análise da apelação interposta pela defesa, determinar a expedição de mandado de prisão do réu, uma vez que ainda possível a interposição de recurso. Ordem concedida para que o paciente responda ao processo em liberdade nos termos da sentença”.
Além disso, não se pode esquecer que existem recursos perante as Cortes Estaduais – Embargos de Declaração (art.619 do CPP) e Embargos Infringentes (art.609, p. do CPP) – que possuem efeito suspensivo descritos e expressos em lei e, assim, impediriam qualquer providência drástica – prisão antecipada – em desfavor do acusado.
O Supremo já entendeu, em Habeas Corpus relatado pelo ministro Marco Aurélio, da seguinte forma: “Opostos embargos de declaração ao acórdão de apelação, deve-se aguardar o seu julgamento para cumprimento do mandado de prisão”.
Em outro HC, relatado no STJ pelo ministro Hamilton Carvalhido, ficou decidido: “Opostos embargos declaratórios ao acórdão estadual, tem-se por não exauridas as instâncias ordinárias, possibilitando-se ao réu o direito de aguardar, em liberdade, o julgamento do apelo integrativo.2. Ordem concedida para assegurar à paciente o direito de, em liberdade, aguardar o julgamento dos embargos de declaração opostos”. E não é só. Em infrações afiançáveis, o acusado poderá e poderia prestar fiança para permanecer solto até o efetivo trânsito em julgado, na forma do que estabelece o artigo 334 do Código de Processo Penal – A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória”.
É importante salientar, ainda, que como toda decisão judicial deve ser fundamentada (art.,93, inciso IX da Constituição Federal), não se pode instituir, substituindo o legislador pátrio, novamente a já derrogada imposição de prisão obrigatória. Ausente a correta motivação, ainda que em julgamento de segundo grau, o recurso confirmatório da responsabilidade jamais poderá admitir como válida e idônea a imposição excepcional privativa de liberdade. Inadmissível seria a prisão até por suas drásticas consequências, sem a necessária fundamentação.
Alerta a Suprema Corte que em casos de carência, a nulidade é a consequência. Assim entendeu o ministro Celso de Mello em um caso no STF: “A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX da Carta Política, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídico do ato decisório e gera, DE MANEIRA IRREMISSÍVEL, A CONSEQUENTE NULIDADE DO PRONUNCIAMENTO”.
Ademais, conquanto os recursos Extraordinário e Especial não possuam efeito suspensivo, medidas cautelares inominadas, consoante previsão no Regimento Interno da Suprema (artigo 304) e Superior Corte (artigo 288), poderão atribuir esse efeito. Se deferidos, afastariam qualquer cogitação de imposição de custódia antecipada.
Há um tema ainda maior que se refere realmente ao respeito ao princípio da presunção de não culpabilidade. Cabendo recursos que poderão quiçá anular ou modificar a condenação, parece refletir certa insegurança a imposição de prisão cautelar prévia. Tal ponderação certamente levará os implicados a se utilizar do meio heroico – habeas corpus – para tentar preservar seu Direito sagrado a liberdade e especialmente o da dignidade da pessoa humana. A expectativa é que os Tribunais Superiores flexibilizem igualmente a questão da admissibilidade do writ para debater temas e teses, justamente para evitar injustiças, constrangimentos indevidos e erros judiciários, pois qualquer tempo indevido no cárcere jamais será esquecido, apagado e ou superado.
O sistema carcerário brasileiro é extremamente deficitário e causaria ainda mais malefícios, já que pessoas condenadas em regime intermediário(semiaberto), muitas vezes, esperam meses, quiçá anos, para ingressar no regime de cumprimento de pena adequado, o que é inaceitável.
Espera-se assim que a repercussão que se está se dando da decisão da Suprema Corte seja controlada e analisada com enorme cautela, pois difusamente do que pode parecer, não causa efeitos imediatos às causas, devendo cada caso ser examinado concretamente.
A prisão preventiva, em qualquer grau, não é automática e continua a ser a excepcionalidade. A regra continua sendo da liberdade. É preciso respeitar as premissas citadas e não transformar combate de impunidade em arbitrariedade.
Fonte: Política Estadão – Prisão não é automática com decisão do Supremo
Daniel Leon Bialski
Daniel Leon Bialski, Mestre em Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM e da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa (CJLP). Foi Vice-Presidente da Comissão de Prerrogativas da Seccional Paulista da OAB entre os anos 2008/2009.
Ingressou na banca fundada por seu pai e mentor, o saudoso Dr. Helio Bialski, ainda no ano de 1988, então denominada “Helio Bialski – Advogados Associados”, onde estagiou. Ao graduar-se em 1992, passou a figurar como Sócio do escritório, o qual passou a denominar-se “BIALSKI ADVOGADOS ASSOCIADOS“. Atua nas diversas áreas do Direito Penal, possuindo destacada atuação perante os Tribunais do país. Outrossim, milita na esfera do Direito Administrativo Sancionador, notadamente processos administrativos disciplinares nos órgãos censores de classe (em especial na Corregedoria da Polícia Civil).
Atualmente, Daniel Leon Bialski é Presidente da Sinagoga Beth-el em São Paulo; atua como Secretário-Geral do Clube A Hebraica de São Paulo; atua como tesoureiro da Sinagoga Beith Chabad Central; é Diretor do Museu Judaico de São Paulo; é membro do Conselho de Ética e Conselheiro do Sport Club Corinthians Paulista.
PUBLICAÇÕES:
– BIALSKI, Daniel Leon. In Extradição e Prisão Preventiva; 2008; Dissertação (mestrado em Direito Processual Penal) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Orientador: Marco Antonio Marques da Silva.
– BIALSKI, Daniel Leon. A dignidade da pessoa humana como forma de garantia à liberdade na extradição. In Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. SILVA, Marco Antonio Marques da (Org.). 1ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
– BIALSKI, Daniel Leon. Da nova interpretação do artigo 567 do Código de Processo Penal Brasileiro após a Constituição Federal de 1988. In Processo Penal e Garantias Constitucionais. SILVA, Marco Antonio Marques da (Org.). 1ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2008.