Leia o que estão falando os criminalistas sobre o 6 a 5 do STF que livra condenados pela segunda instância da prisão automática
Fausto Macedo
08 de novembro de 2019 | 05h00
Advogados criminalistas ouvidos pelo ‘Estado’ afirmam que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em segunda instância ‘recolocou o País nos trilhos da Constituição’. Por seis votos a um, a Corte revogou entendimento que permitia a detenção de condenado após condenação em um tribunal de recursos.
Agora, a jurisprudência segue o que está escrito na Constituição e determina que ninguém deverá ter prisão automática até o julgamento de todos os recursos, o chamado trânsito em julgado. Leia abaixo alguns comentários de criminalistas sobre o tema:
Jorge Nemr, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados: “O Supremo foi coerente em respeitar a Constituição. Se a Lei Maior existe, é para ser cumprida. Se querem mudar, mudem a Constituição, mas não interpretem a Lei da forma que querem fazer.
Nesta quinta-feira o STF decidiu pela segurança jurídica, o que deve inclusive ajudar o Brasil a atrair novos investimentos estrangeiros e locais. Se os ministros decidissem pela interpretação da Constituição, criaríamos um clima de incerteza, de insegurança, principalmente para o investidor estrangeiro. Então, hoje eu bato palmas para o Supremo.”
Criminalista José Pedro Said Júnior: “Com a histórica decisão desta quinta-feira, por apertada diferença de votos, o STF recolocou o País nos trilhos do respeito à Constituição. Afinal, está previsto na Constituição Federal de 1988 que só será preso aquele cidadão que não possa mais recorrer da sentença, ou seja, cuja sentença tiver transitado em julgado. Não cabe ao STF mudar a Constituição.”
Criminalista Daniel Bialski: “O Supremo estabeleceu e deu prevalência ao texto literal que proíbe a prisão automática, consequente da condenação em 2a instância. Isso não significa vedação de prisão preventiva. A excelsa Corte deixou claro em votos vencedores que a prisão cautelar tem que ter motivação válida, idônea necessidade e estar escusada nas hipóteses do art.312 do Código de Processo Penal, podendo ser decretada em qualquer fase. O que não pode é ser genética, apenas pela superação de fase processual.”
Nathália Rocha Peresi, especialista em Direito Penal Empresarial, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados:“O nosso Estado democrático de direito sai fortalecido. Longe de ser uma vitória para os chamados ‘garantistas’, a decisão de cumprir a Constituição Federal protege a todo e qualquer cidadão de não ser injustiçado em face de um processo em curso, ainda passível de revisão contra falhas técnicas e erros processuais. O Supremo ignorou pressões políticas, opiniões ideológicas, e atendeu à soberania do pacto constitucional.”
Adib Abdouni, criminalista e constitucionalista: “Em que pese revelar-se perfeitamente razoável o reclamo da sociedade acerca do sentimento de impunidade que se irradia da morosidade insuperável da máquina do Poder Judiciário em prestar a tutela jurisdicional penal, com o consequente encarceramento daqueles condenados por justa apenação judicial, o fato jurídico insofismável é que o legislador constituinte optou por adotar regra garantista inabalável – no campo dos direitos e garantias fundamentais – segundo a qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença a penal condenatória.
O texto constitucional é de clareza solar, e, respeitado entendimento diverso, não comporta flexibilização.
Norteados sob essa perspectiva, a maioria dos membros da mais alta corte de justiça do país, enquanto guardiões da Carta Magna, nada mais fizeram do que, no estrito cumprimento do dever judicante, proclamar a procedência das ações diretas que ambicionavam o reconhecimento expresso da constitucionalidade de dispositivo processual penal que, em tudo e por tudo, replica, às inteiras, o postulado da presunção de inocência, a rechaçar a hipótese de execução provisória da pena após o julgamento em segunda instância e antes de seu trânsito em julgado, a homenagear, com grau de definitividade e segurança jurídica, um dos maiores direitos da pessoa humana, qual seja, o direito à liberdade e o de recorrer, até final desate da controvérsia pena, a fim de reverter eventual injustiça ou antijuridicidade.”
Daniel Gerber, criminalista mestre em direito penal e processual penal: “Resultado esperado, com STF retornando para sua posição histórica e respeitando a letra da lei e da Constituição”.
Rodrigo Dall’Aqua, criminalista, sócio do Oliveira Lima & Dall’Aqua Advogados: “A tendência é que a prisão após a segunda instância continue ocorrendo, mas em menor intensidade e sob a roupagem de prisão preventiva. Nos delitos empresariais, nos quais não há violência ou grave ameaça, será maior a chance de o réu permanecer solto até o trânsito em julgado.”
Vera Chemim, constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV:
“O Supremo privilegiou a interpretação literal do princípio de presunção da inocência. Prevaleceu a tese do caráter absoluto dos direitos fundamentais relativamente ao poder de persecução do Estado.
Independentemente dos fundamentos da decisão vencedora, a mudança de jurisprudência do STF em curto espaço de tempo tende a aumentar a insegurança jurídica e, por consequência, o próprio desenvolvimento econômico já que investidores estrangeiros poderão sentir a fragilidade que envolve as decisões dos poderes públicos e, especialmente, a de um Tribunal Constitucional.”
Thaís Aroca Lacava, sócia da banca Marcelo Leal Advogados:“Sobre as impressões gerais a respeito do julgamento de hoje pelo STF a palavra me vem à mente é ‘antítese’. ‘Alívio’ por ter prevalecido a tese constitucional, única possível a ser defendida por um Tribunal criado para defender a Constituição, coexistindo com o ‘ceticismo’ em relação à forma casuísta com que se vem olhando para o Direito Processual Penal no Brasil, mostra de que o futuro não se revela muito auspicioso para muitos anônimos cidadãos que venham a cair nas garras do sistema punitivo.”
Jacqueline Valles, advogada, mestre em Direito Penal, especializada em Processo Penal e Criminologia, professora universitária e sócia-diretora da Valles e Valles: A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), após um julgamento marcado por protestos e ameaças, reforça a democracia e garante segurança jurídica do país ao proibir a antecipação da pena para os casos julgados em segunda instância. “Com esse resultado, a Constituição foi respeitada. O STF entendeu que o artigo 383 do Código de Processo Penal é harmonioso com a Carta Magna e, com isso, respeita o princípio da inocência e do devido processo legal”.
Jacqueline afirma que, mais que garantir os princípios democráticos, a decisão garantiu a dignidade da pessoa humana. “Venceu a norma mais suprema, que é a dignidade da pessoa humana, com todos os seus direitos respeitados”, salienta.
A jurista comenta que, desde 1988, a Constituição garantiu o direito das pessoas se defenderem de forma ampla e colocou a prisão como exceção, feita apenas após o trânsito em julgado, quando não houver mais possibilidade de recurso. “Não significa que, com esta decisão, todas as pessoas serão colocadas em liberdade. Cada caso será analisado em sua individualidade. Aquele reú que cometa algum ato desfavorável à instrução criminal e ao bom andamento do processo pode permanecer preso, sim, e recorrer em prisão”, explica Jacqueline.
A especialista em Criminologia lembra, também, que há vários casos previstos em lei em que o acusado por um crime pode ser preso antes do trânsito em julgado. “O réu não é obrigado a recorrer da decisão em primeira instância. Se o condenado em primeira instância não recorrer em 5 dias, já transitou em julgado e ele pode ser preso. Além disso, há mecanismos na lei para manter presas as pessoas se houver necessidade, como a prisão preventiva durante o andamento dos recursos em casos, por exemplo, em que o réu oferece riscos à sociedade, apresenta risco de fuga ou age para atrapalhar o processo”, reforça.