Quebra do sigilo de Flávio Bolsonaro e Queiroz é abusiva, dizem advogados

Por Sérgio Rodas

 

A Justiça do do Rio de Janeiro quebrou o sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro, de seu ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, de familiares e empresas dos dois e de 88 ex-funcionários do gabinete, informou o jornal O Globo. O juiz Flávio Nicolau autorizou a quebra de sigilo do período que vai de janeiro de 2007 a dezembro de 2018.

 

Porém, criminalistas ouvidos pela ConJur afirmam ser abusivo quebrar o sigilo de tantas pessoas de uma vez só, sem especificar o que motiva a medida. Os advogados também criticam o longo período abrangido pela decisão – quase 12 anos.

De acordo com O Globo, o juiz atendeu a pedidos do Ministério Público fluminense. O MP-RJ suspeita que os funcionários que passaram pelo gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual do Rio devolviam parte dos salários ao parlamentar, numa operação conhecida como “rachadinha”. Na decisão, proferida em 24 de abril, Flávio Nicolau afirma que a quebra do sigilo dos investigados é “importante para a instrução do procedimento investigatório criminal”. O processo corre em segredo de justiça.

 

O juiz, conforme o jornal, afastou o sigilo bancário dos investigados de “todas as contas de depósitos, poupanças, investimentos, câmbio e outros bens, direitos e valores mantidos em instituição financeira” no período de 1º de janeiro de 2007 a 17 de dezembro de 2018. Além disso, Nicolau quebrou o sigilo fiscal dos suspeitos no período entre 2008 e 2018 (anos-calendário 2007 a 2017), segundo O Globo.

 

Consta que o número de empresas que possam ter o sigilo quebrado por terem se relacionado com Bolsonaro, Queiroz e seus familiares pode passar de 300.

Decisão abusiva

 

Criminalistas ouvidos pela ConJur criticaram o número tão grande de atingidos pela quebra dos sigilos, bem como o longo período compreendido pela decisão. Na opinião dos advogados, o afastamento dos segredos bancário e fiscal é uma medida agressiva, que só deve ser usada em situações muito excepcionais.

 

O ex-presidente do Conselho Federal da OAB José Roberto Batochio afirmou que a decisão é reflexo do movimento punitivista impulsionado pela operação “lava jato”.

 

“Independentemente de quem seja o ‘alvo’ – para usar o jargão policial – é absolutamente inaceitável essa quebra de sigilo bancário que abrange até o período de gestação intrauterina. O processo penal ‘lavajatiano” abriu a caixa de Pandora e varreu o bom senso da jurisdição penal. O sistema mergulhou na esquizofrenia persecutória e necessita, urgentemente, de uma eficaz terapia.”

 

Já o presidente o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Fábio Tofic Simantob, ressaltou que a quebra de sigilo deve ser usada para esclarecer aspectos pontuais da investigação. “Não pode quebrar o sigilo de todo mundo indiscriminadamente para ver se acha algo errado. Por que não ouvir [os investigados] primeiro? É abuso, sem dúvida”, avaliou.

 

O criminalista Pedro Bueno de Andrade tem visão semelhante. “Chama a atenção uma quebra de sigilos bancários e fiscais tão extensa, pois o afastamento da garantia constitucional de privacidade do cidadão apenas se legitima quando não há outros meios menos invasivos para a investigação do delito”.

 

Daniel Leon Bialski, criminalista especializado em Direito Processual Penal, apontou que o afastamento dos sigilos bancário e fiscal é medida que viola a intimidade dos investigados. Portanto, só pode ser decretada em situações excepcionais.

 

“O primeiro tema a ser enfrentado é se receber com naturalidade a quebra de sigilo, violando a intimidade e vida privada, como medida primordial da investigação. Só a presença de pretéritos indícios seguros e contundentes poderiam respaldar essa medida, conforme já decidiram nossas cortes. Ademais, a amplitude da decisão parece injustificada porque não há como se admitir – dentro do princípio da legalidade e proibição de excesso – que todo e qualquer nome citado ou mencionado anteriormente, com grau de parentesco, amizade ou relacionamento, possa também ser alvo do que foi determinado. Decisões desta natureza são e devem ser a exceção e não a regra, e parece-me que no caso, se inverteu a conceituação”, explicou Bialski.

Por sua vez, Luciano Santoro, do escritório Fincatti & Santoro Advogados, argumentou que a quebra dos sigilos bancário e fiscal só deve ser decretada em último caso.

 

“A quebra dos sigilos bancário e fiscal é uma ferramenta importante na investigação criminal, mas somente deve ser realizada quando não houver outra diligência que não atinja o mesmo fim e seja menos invasora da garantia fundamental do direito à intimidade. Parece que a quebra indiscriminada a todos os funcionários do gabinete, seus familiares e empresas é medida precipitada e violadora dos direitos à privacidade e à intimidade de pessoas que estão sendo investigadas simplesmente por serem parentes ou pertencerem a parentes dos funcionários, invertendo a regra da presunção de inocência”.

Por outro lado, o professor da USP Gustavo Badaró e o professor da Uerj Davi Tangerino ponderaram que o número de atingidos pela quebra de sigilo e o período compreendido pela medida não são, por si só, abusivos. Segundo Badaró e Tangerino, se o MP-RJ conseguiu demonstrar a importância do afastamento dos sigilos, não há problema. O que não pode ocorrer, na visão dos dois, é uma autorização genérica e abstrata, sem fundamentar por que a medida é necessária.

 

Provas requentadas

 

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada neste domingo (12/5), Flávio Bolsonaro disse que a investigação do Ministério Público é ilegal. Para o senador, o MP, com a quebra dos sigilos, quer “requentar uma informação que conseguiram de forma ilegal, inconstitucional”. “Como viram a cagada que fizeram, agora querem requentar, dar um verniz de legalidade naquilo que já está contaminado e não tem mais jeito. Vejo que há grande intenção de alguns do Ministério Público de me sacanear”, afirmou Bolsonaro ao Estadão.

 

Em nota divulgada na noite desta segunda-feira (13/5), Flávio Bolsonaro insistiu no argumento de que a quebra dos sigilos visa “esquentar” provas obtidas ilicitamente. O senador também disse que o objetivo da investigação é prejudicar o governo de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O advogado de Queiroz, Paulo Klein, seguiu a mesma linha. Ao Globo, ele apontou que o sigilo de seu cliente já tinha sido quebrado e que a decisão é “mera tentativa de dar aparência de legalidade a um ato que foi praticado de forma ilegal”.

 

MP diz ser apartidário

 

Em nota divulgada nesta segunda-feira (13/5), o Ministério Público do Rio repudiou “com veemência” as declarações de Flávio Bolsonaro. A entidade reafirmou que sua atuação “é isenta e apartidária, pautada nas normas e princípios constitucionais, nos tratados internacionais de regência, na legislação vigente, nas resoluções e recomendações do Conselho Nacional do Ministério Público e na jurisprudência dos tribunais superiores”.

 

O MP-RJ destacou que o relatório de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou movimentações atípicas de assessores de Flávio Bolsonaro foi mantido em sigilo na instituição. Na visão do MP, a maior prova de sua neutralidade política foi não ter divulgado o documento à imprensa como forma de influenciar as eleições de 2018. O relatório, segundo o MP-RJ, só passou a ser conhecido pelo público quando foi juntado aos autos da operação furna da onça, que apurou desvios na Assembleia Legislativa do Estado do Rio.

“O senador Flavio Bolsonaro tem direcionado seus esforços para invocar o foro privilegiado perante o Supremo Tribunal Federal ou mesmo tentar interromper as investigações, como o fez junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fato amplamente noticiado nos meios de comunicação. O referido parlamentar não adota postura similar à de outros parlamentares, prestando esclarecimentos formais sobre os fatos que lhe tocam e, se for o caso, fulminando qualquer suspeita contra si. O senador é presença constante na imprensa, mas jamais esteve no MP-RJ, apesar de convidado”, explicou a entidade.

*Texto atualizado às 21h57 do dia 13/5/2019 para acréscimo de informações.

 

Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

 

Revista Consultor Jurídico, 13 de maio de 2019, 21h04

 

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