Diretor do São Paulo detalha como descobriu esquema irregular no clube

Marcio Aith, que trabalha no departamento de marketing, comandou investigação interna sobre venda de ingressos para shows

 

A notícia da demissão de Alan Cimerman do cargo de gerente de marketing do São Paulo, em agosto, foi a ponta do iceberg de uma investigação dentro do clube. Tal processo foi conduzido pelo diretor executivo Marcio Aith, na atual gestão desde maio.

 

Hoje, há um inquérito instaurado e conduzido pelo Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) sobre o esquema irregular de venda de ingressos para os shows da banda irlandesa U2, realizados em outubro, e do cantor norte-americano Bruno Mars, previstos para os dias 22 e 23 de novembro.

 

Apesar do problema, as apresentações ocorreram normalmente nas quatro datas agendadas: 19, 21, 22 e 25 de outubro.

 

Por descobrir o esquema e conseguir renegociar contratos previamente assinados, o Tricolor calcula não só ter deixado de perder como, ao mesmo tempo, ganhado cerca de R$ 3 milhões em receitas com: participação maior no lucro sobre alimentos e bebidas, aluguel de camarotes e ressarcimento por manutenção de gramado. O número pode subir, dependendo das receitas variáveis nos shows de Bruno Mars.

 

Em carta aberta ao presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, Aith apontou depósitos de R$ 1,5 milhão na conta de um familiar de Alan.

O advogado do ex-gerente, Daniel Bialski, nega as acusações. Em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com, Aith detalhou como descobriu o esquema irregular. A segunda parte da entrevista vai ao ar neste sábado.

 

Marcio Aith: Os valores de aluguel de estádio historicamente não fogem muito dessa faixa: de R$ 600 mil a R$ 700 mil. Não posso negar nem confirmar os valores dos shows do U2 por questão contratual. Mas posso dizer que quando assumi eu questionei o cidadão em questão (Alan) sobre qual seria a receita de fato do São Paulo com esses shows, porque temos verificado nos jogos do São Paulo que, ainda com preço baixo de ingresso (nota da redação: o ticket médio é de R$ 26), o faturamento chega a R$ 1 milhão. Se você tiver quatro shows do “U2” versus quatro jogos do São Paulo, aluguel versus bilheteria, a bilheteria valeria mais a pena. Obviamente, como o estádio do Palmeiras não foge desse patamar, e quando digo patamar é R$ 600 mil e R$ 700 mil, não de R$ 300 mil, sei que a receita mais importante não é a do aluguel. É dos negócios que rodam em volta do show: participação na venda de A e B, alimentos e bebidas, na adminstração de camarotes, venda de outros produtos e patrocinadores. Quando fiz um primeiro questionamento me foi dito que essas receitas extras ocorreriam no São Paulo nesses shows. Obviamente em um primeiro momento acreditei, mas passei a cobrar. E ao cobrar fui descobrindo que não era bem assim. A negociação de fato não foi bem feita. Foi muito mal feita. Daí a perceber que além de ser mal feita havia crimes embutidos foi um segundo passo.

 

Como você chegou até esse segundo passo?

Por questões absolutamente acidentais, mas estava com a antena levantada. Havia pessoas que nos procuraram atrás de aluguel de camarote. Ligavam aqui e teve um caso especifico que passei para o Alan, que é quem cuidava do show. “Tal pessoa está interessada no aluguel de tal camarote”. Depois de um tempo, a mesma pessoa me disse que fechou contrato, mas não com o São Paulo, com outra pessoa jurídica. Isso para mim foi o batom na cueca, porque fui descobrir qual pessoa jurídica era essa. Era uma empresa laranja. A receita não estava indo para o São Paulo. Ali abriu a caixa de pandora. A partir dali eu passei a fazer sozinho uma busca de informações. Quando tive um conjunto probatório que me pareceu suficiente, comuniquei ao Leco. Tivemos o cuidado de levar esses indícios ao Vinicius (Pinotti, hoje diretor de futebol e ex-diretor de marketing), que foi o diretor da área, por respeito. Ele viu tudo isso e concordou com a sugestão de demissão por justa causa. Não questionou. E assim foi feito. Conduzimos assim: pedido de abertura de inquérito e fazendo questão de demitir por justa causa.

 

Você teve a oportunidade de negociar algum show? Os valores praticados foram muito diferentes?

Fiz o Villa Mix, com a ajuda de quem já fez o show antes. O São Paulo tinha os dois shows do Bruno Mars e os do U2. Em sinergia acabamos ganhando. Fizemos uma negociação diferente em alimentação e bebida. É um show diferente. Um dia só. Mas tentei introduzir elementos novos. Muito diferente (os valores) pelo modelo de show, mas conseguimos mudar também o modelo do próprio show do U2. Certamente o show nos trouxe mais receita do que bilheteria de jogo. Seria uma ofensa aos torcedores, inclusive. Tirar a torcida do estádio para trazer um espetáculo que traz menos dinheiro. Como torcedor me sentiria muito mal.

Você disse que comunicaram o Vinicius da investigação feita e ele aceitou a demissão por justa causa. Ele contratou o Alan no clube, e você chegou depois. Após tudo isso, como ficou a relação entre vocês, já que você comandou uma investigação…

Ficou como antes. Minha relação com Vinicius é franca, verdadeira e muito aberta. Nós nos fechamos numa sala, conversamos e resolvemos todos os problemas. Ele fez uma gestão com muito mais avanços do que problemas. Existe um falso dilema, nessa antítese entre a minha gestão e a dele. Não existe. Não é uma competição. É uma corrida de bastão. Ele avança, me entrega e vou adiante. É muito difícil fazer o que fiz, porque trata-se de gente da gestão dele. Mas quero reafirmar: a luz dos dados que nós mostramos, ele foi absolutamente… nos ajudou muito a solucionar o problema.

 

Posteriormente, foi noticiada uma ajuda financeira do Vinicius ao Alan. Ele disse que não havia nada a ver com o trabalho no São Paulo, mas sim, uma ajuda pessoal para alguém que necessitava financeiramente, ele tinha condições de ajudar e por isso ajudou. Como viu isso?

Quero acreditar no Vinicius, porque conheço o Alan. É possível que, se ele estivesse aqui, você o ajudasse financeiramente diante dos argumentos que ele apresentasse. Eu quero acreditar no Vinicius e acho que ele foi franco na resposta que deu.

 

Em cima disso: algumas pessoas lembram que a empresa do Alan teve problemas na Copa do Mundo de 2014 (Nota da redação: uma das empresas de Alan, a Team Spirit, que prestou serviços durante a Copa, foi acionada judicialmente por 14 fornecedores por falta de pagamentos).

Essa é uma coisa curiosa. Tinha problemas na Copa e ele transformou isso em um processo de vitimização. Como a turma da CBF e do comitê também não são muito populares, foi fácil para ele se vitimizar. Mas os fatos verdadeiros e que nunca foram contados já colocavam o Alan numa situação muito difícil. Havia acusação de falsificação de assinatura lá atrás.

 

E que foi o modo de operação dele agora, ou não?

Foi exatamente. O problema: quando você contrata alguém no Brasil você pede o documento de bons antecedentes. O problema de bons antecedentes é que serve para qualquer pessoa, porque precisa ter uma condenação transitada e julgada. Nunca tem. A gente poderia ter buscado com mais afinco informações sobre o que aconteceu? Talvez. Mas aqui não estaria fazendo análise, e sim, autópsia. Eu seria um engenheiro de obra feita. A história que ele contava era muito bonita, de vitimização, eu fui vítima de X, Y e Z, quando na verdade ele foi algoz. São fatos que se descobriram depois do que aconteceu aqui. Fui buscar já sabendo o que tinha acontecido aqui, e eles não sabiam. Não sei se eu mesmo estivesse aqui teria ou não contratado naquela situação. E também não sei quem contratou, para ser muito sincero. Sei com quem ele trabalhou, mas não sei quem contratou.

 

Você era a pessoa certa no lugar certo?

Pode ser que o próprio Vinicius tivesse descoberto estando aqui chegando perto do show. Acho que o Alan preparou algo para o show. Não sei. Está cheio de pessoa certa.

Vocês descobriram se houve outros desvios no São Paulo?

Não paramos de olhar para isso. Ao mesmo tempo tem de tocar o marketing. Não é uma delegacia de polícia, é um departamento de marketing. É muito difícil olhar permanenetemente para feitos de alguém que não estava aqui. Fechar os olhos para a irregularidade, não vou fechar nunca. Ainda que tenha acontecido no passado. Mas gastar a rotina e usar o cargo de marketing que ocupo para fazer isso, não vou fazer.

 

Como o caso está hoje?

Está avançando bastante. Existe um conjunto probatório muito forte, recheado de gravações, depoimentos, laudos técnicos relativos a falsificação de assinaturas e documentos. Não só documentos do São Paulo, como documentos de empresas como a “Live Nation”, por exemplo (nota da redação: é a produtora do show do U2). Houve acusação de falsificação de recibo e de compra de ingresso. Quer dizer, ele recebia dinheiro na conta de um familiar dele e prometia que com esse dinheiro compraria os ingressos. Quando as pessoas cobravam, ele dizia: “Já vao chegar, está aqui o recibo que de fato comprei”, e o recibo era falsificado (da “Live Nation”) que também depôs no inquérito.

 

Terceiros de boa fé ajudaram muito o São Paulo?

Ajudaram muito porque se você de fato é um terceiro de boa fé não tem o que esconder. Se foi lesado por ele, não tem um comportamento dúbio. Qual é o problema? Se você tem uma desconfiança e denuncia, no sistema investigatório brasileiro, isso não se transformaria em nada. Se já entrega um conjunto probatório inteiro feito, o inquérito caminha com muita velocidade.

 

Você acha que conduziu uma mini Lava Jato?

Não, Lava Jato é em Curitiba. Estamos em São Paulo. Cuidei de um baita problema. Foi só isso. E procurei obter o máximo que pude de forma espontânea, desses terceiros de boa fé, de um conjunto de provas que pudesse denunciar o caso ao Deic. Com provas, não com desconfianças.

Em uma carta aberta ao presidente Leco você falava de um desvio de R$ 1,5 milhão…

Na verdade, aquilo é apenas o valor comprovado, que significa que conseguimos comprovar, de depósitos na conta de um familiar dele. Não diria que isso é um prejuízo, porque foram os terceiros que depositaram. O São Paulo não depositou. Ele prometeu a terceiros de boa fé. Queria reafirmar que, ao contrário do que se imagina, esse caso só pôde ser apurado porque existe um estatuto. Não sou a pessoa certa no cargo certo, o estatuto é o certo no clube certo. Veja: ele não é da oposição. Não estou caçando bruxas da oposição. Estou fazendo o meu trabalho.

 

A BDO divulgou um estudo no qual diz que a marca do São Paulo caiu de terceiro para quarto…

Procurei buscar lógica nos critérios do estudo e não consegui encontrar. Ao mesmo tempo vi estudos que mostram o São Paulo como segundo em licenciamento, outros que falam da torcida. Estudos que beneficiam e contrariam o São Paulo nos quais também não vi lógica. Vejo uma falta de critério e lógica nas entidades que fazem esses estudos.

 

Independentemente dos critérios, que você questiona…

Digo o seguinte: como se mede o valor de uma marca? Batemos recorde de público… como se mede? Os critérios não são científicos. Medir o valor da marca… compara com outros times. Se tiver patrocínio estatal eu na hora já tiro. Como vai medir o valor da marca se tem a Caixa colocando dinheiro? Vai para o setor privado buscar o valor da marca.

 

Os três primeiros colocados: o Palmeiras tem a “Crefisa”, o Flamengo a “Caixa” e o Corinthians a “Companhia do Terno”…

A Crefisa tem um contexto absolutamente distinto, mas vamos dar o crédito ao Palmeiras: privado. Valor de marca se descobre quando… é igual valor de casa: vende a casa e depois descobre o valor. Nós fomos ao mercado e vendemos. Se o valor de uma marca como a do Corinthians, primeiro colocado, não consegue encontrar patrocinador máster perene, nós, que supostamente caímos de posição, estamos com camisa preenchida por setor privado? Como se mede o valor de marca que não tem correspondência em demanda de mercado? Não consigo entender.

 

Acha que esses problemas administrativos arranham a imagem do São Paulo?

Seja mais específico sobre os problemas. É difícil falar de outro clube, mas vamos imaginar supostamente um clube que tenha tido problemas seríssimos na construção do seu estádio próprio. Seríssimos, seríssimos. Que esteja vulnerável. Não conta também para valorizar a marca? Isso ficou fora. Não sei. Seja específico sobre problemas do São Paulo.

Renúncia do Aidar sob denúncias de corrupção…

Não estava aqui. A renúncia do Aidar, de fato, bastante. Bastante. Os posteriores, teria de mencionar.

 

O caso do próprio Alan…

Acho que melhora, porque é um processo depuratório. Manter alguém que não faz bem ao São Paulo dentro do clube arranharia muito mais. Acho que o mercado entende que o processo é de reconstrução de credibilidade, com demissão por justa causa com alguém que pertencia a essa gestão, dessa administração, não da oposição. Quem vê de fora sabe disso e meu contato com os patrocinadores me provou isso. Acho que faz bem. O caso atrapalha ou ajuda? Se faz como exemplo, sem esconder, você transforma em um caso bem sucedido de depuração interna.

 

Então, você percebeu no dia a dia que ter investigado um caso de corrupção foi positivo?

A corrupção é como uma erva daninha: você corta e no dia seguinte sobe. Permanentemente tem de ficar de olho. Os patrocinadores deram graças a Deus que esse processo ocorreu. Tivemos um ganho de credibilidade.

 

O São Paulo anunciou o Edson Lapolla como novo gerente de marketing. Foi uma escolha sua?

Quando cheguei, o Lapolla estava aqui. Em outro caráter: não remunerado, como conselheiro. É uma pessoa da área de marketing, trabalha desde 1964. Depois do caso Alan, precisei de várias pessoas para reconstruir esse departamento. Ele tem sido muito útil. Vinha sendo mesmo sem ser remunerado. Achei por bem convidá-lo, levando em consideração que o diretor executivo sou eu, não ele. Não acho que ele esteja exatamente no cargo do Alan. Estamos buscando um espaço e reformulando o departamento. A ideia foi minha e aceita pelo presidente Leco, a luz do fato de que já estava aqui e começou até antes de eu nascer na área. Não vejo problema entre combinar quem tenha conhecimento da área e do São Paulo, e gente teoricamente de mercado.

 

Uma das críticas da oposição é que nas diretorias executivas estão pessoas que estavam no clube antes do novo estatuto entrar em vigor, o que não é o seu caso. Assim o estatuto estaria sendo retorcido para manter esses profissionais…

Do ponto de vista formal: o estatuto não proíbe nomeação de conselheiro ou sócio. Pode questionar se avaliar pessoa por pessoa. Pegamos o caso do Lapolla: antes de eu nascer trabalhava com marketing e publicidade. Se além disso conhece do clube não vejo problema. Vinicius nem conselheiro é. O fato de estar no clube não significa que tem de trazer alguém de fora.

 

No caso dele o questionamento é sobre o notório saber no futebol…

Ele certamente saberá dar essa resposta melhor do que eu. Mas digo: é um argumento mais politico do que formal. É caso a caso. Tem de ver se a pessoa é competente para exercer o cargo, já que o estatuto não proíbe.

Fonte:

https://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/noticia/caso-alan-diretor-do-sao-paulo-detalha-como-descobriu-esquema-irregular.ghtml