Crise da Covid-19 expôs ainda mais o sistema prisional brasileiro

5 de junho de 2020, 12h04

Por Daniel Leon Bialski e André Bialski

A crise da Covid-19 serviu para expor, ainda mais, as mazelas do sistema penitenciário no Brasil. Não é segredo para ninguém que os presídios do país carecem de condições mínimas de saúde, de higiene e, principalmente, de dignidade. Estão muito longe de atender às condições mínimas exigidas, como, aliás, a Justiça brasileira já reconheceu algumas vezes. 

Com a ciência dos riscos evidentes de proliferação da doença dentro dos presídios, o Conselho Nacional de Justiça elaborou uma recomendação para juízes de todo o país. O objetivo é a adoção de medidas preventivas à propagação do novo coronavírus no sistema de Justiça penal e socioeducativo. Até o início de abril deste ano, estimativa divulgada pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) apontou a liberação de pelo menos 30 mil presos por decisões judiciais com base na recomendação do CNJ. O Depen chegou a determinar que os dados dos presos, endereços de prisão domiciliar e localização dos monitorados eletronicamente fossem informados para as polícias dos estados. O órgão, que pertence ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que deveria haver uma maior fiscalização diante do “número elevado de pessoas que saíram dos estabelecimentos penais”.

O assunto gerou tantas polêmicas que o departamento carcerário do CNJ se manifestou. Informou à imprensa que o número não chega a 4% da população carcerária brasileira. Isso porque o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com cerca de 800 mil presos. Para o CNJ, não há uma parcela relevante de presos liberados com fundamento na recomendação.

É preciso deixar claro que a recomendação do CNJ tem cinco pontos principais: redução do fluxo de ingresso no sistema prisional e socioeducativo, medidas de prevenção na realização de audiências judiciais nos fóruns, suspensão excepcional da audiência de custódia, mantida a análise de todas as prisões em flagrante realizadas, ação conjunta com os Executivos locais na elaboração de planos de contingência e suporte aos planos de contingência deliberados pelas administrações penitenciárias dos estados em relação às visitas. 

Vale ressaltar que a recomendação não tem força de lei e seu único objetivo é convergir as atitudes dos magistrados, dada a extensão da doença. Isso, especialmente, porque ainda que presas, as pessoas recolhidas nas diversas cadeias pelo país têm também direitos garantidos pela Constituição. O CNJ levou em consideração a manutenção da saúde dos presos, diante do confinamento e superlotação, e dos profissionais que atuam no sistema penitenciário. O objetivo foi zelar pela vida de todos os envolvidos na rede penitenciária.

Muito se vinculou que a recomendação do CNJ representaria “portões abertos” nas prisões. A hipótese estava relacionada a algumas notícias veiculadas de detentos soltos que tornaram à prática criminosa. Essas notícias, apesar de preocupantes e de abordar comportamentos reprováveis, não podem restringir direitos. Critérios e bom senso foram utilizados pelos magistrados por todo o país. Eles olharam para a necessidade, o enquadramento real no chamado “grupo de risco” e a existência da doença ou mortes onde estão recolhidos. 

É preciso enfatizar que os magistrados acertaram ao beneficiar muitos porque realmente tinham saúde debilitada e a permanência e contato com a doença poderiam resultar em morte. O deferimento da prisão domiciliar não significa que não estão sujeitos à restrição absoluta, bem como que não poderão retornar às prisões acaso a pandemia seja expurgada.

Daniel Leon Bialski é advogado criminalista, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

 

André Bialski é estudante de Direito da Faculdade Getúlio Vargas–SP e estagiário do escritório Bialski Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 5 de junho de 2020, 12h04

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