Advogados exaltam como civilizatória suspensão de buscas em escritório

2 de março de 2019, 14h24

 

Por Fernando Martines

 

A decisão do desembargador Néviton Guedes de suspender a quebra de sigilo do advogado que defende o autor da tentativa de homicídio contra o presidente Jair Bolsonaro foi comemorada como uma vitória do direito de defesa e um marco civilizatório pela comunidade jurídica.

 

O caso envolve a quebra de sigilo do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defende Adélio Bispo, autor do atentado contra Bolsonaro. A Polícia Federal pediu e obteve autorização da primeira instância para saber quem paga os honorários, mesmo o advogado não sendo investigado.

Néviton, membro do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, suspendeu a busca e reafirmou a inviolabilidade da relação cliente e advogado, que é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Se não pesa contra o advogado qualquer suspeita de prática de crime como a própria decisão da 3ª Vara admitiu, sustenta Néviton Guedes, “não se pode compreender como tais medidas possam ter sido consideradas legítimas”, completou, ressaltando em seguida que o único fundamento fático para a invasão da privacidade do advogado seria as circunstâncias da contratação de seus serviços.

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, disse em entrevista à ConJur que “a advocacia precisa gritar alto sempre, para que a força da Constituição possa valer em tempos de enamorados do arbítrio”.

 

Leandro Sarcedo, presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, destacou a importância da decisão: “O sigilo da relação cliente e advogado é uma conquista civilizatória a respeito da qual não podem haver concessões ou retrocessos. Invadir esta relação com o objetivo de buscar provas do fato investigado é gravíssimo do ponto de vista do jogo  processual. Mais do que restabelecer as prerrogativas profissionais da Advocacia no caso concreto, esta decisão dá sopro de esperança ao equilíbrio democrático que deve existir nas instâncias investigativas no Brasil”.

 

O criminalista Alberto Zacharias Toron exaltou a atuação do desembargador. “Néviton Guedes é desses juízes que orgulham a cidadania. Dá gosto de ser advogado num país com um juiz desse quilate”, disse.

 

“A decisão é uma vitória da advocacia, mas antes disso da democracia , dos direitos e da vida civilizada”, aponta o advogado Pedro Serrano.

 

O advogado Davi Tangerino afirma que a decisão do desembargador prestigia a atuação do advogado como função essencial à Justiça nos termos da Constituição Federal. “A única hipótese de o advogado ser objeto de medidas como essa em conexão com a sua atividade profissional é quando essa atuação for ela mesma criminosa. Quando houver fundados indícios de que o advogado se tornou co-autor do crime do seu cliente. Aí evidentemente ninguém está acima da lei. Tirante isso, como bem colocou o desembargador, o advogado tem que ser inviolável na sua atividade profissional. O advogado não tem o dever, e não seria constitucional a criação de um dever, de informar quem está patrocinando os seus honorários”, afirma.

 

“Parabéns pela corajosa e absolutamente legal decisão do desembargador Néviton Guedes de suspender a quebra de sigilo do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defende Adélio Bispo. Trata-se do reconhecimento da inviolabilidade do escritório de advocacia, importante prerrogativa profissional dos Advogados. Qualquer investigação deve ser pautada na legalidade. Esta é uma garantia do cidadão”, afirma Luiz Flávio Borges D’Urso, ex-presidente da OAB-SP e presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.

 

O criminalista Daniel Bialski alerta para o perigo de se confundir a figura do investigado com a do advogado. “Fantástica a decisão no trecho que diz: ‘Para além da quebra da prerrogativa de sigilo, expressamente, a lei proíbe qualquer utilização de informações sobre os clientes, bem como veda a utilização de instrumentos de trabalho do advogado que contenham informações sobre seus clientes’.

 

Verifica-se da melhor forma que o advogado ao ser contratado e exercer seu mister, não comete crime, independente de quem é o cliente ou do que está sendo acusado”, diz.

 

A necessidade do advogado ser protegido por ser o bastião das garantias fundamentais foi destacada por Fernando Fernandes. “Tempos medonhos que perseguem advogados, que futricam com  a vida de ministro do Supremo. Mas a OAB Federal e de MG não se curvaram e encontraram importante respaldo na decisão do  Desembargador Néviton Guedes, representando uma importante afirmação da importância do estado de direito. A advocacia não vai se render nas tentativas de criminalização do recebimento de honorários. Os advogados precisam ser protegidos a todo custo, pois cabe a eles a última resistência jurídica e legal ás garantias fundamentais da Carta Magna. Após isso é a babárie”, ressalta.

 

Sobre o caso, o advogado Leonardo Isaac Yarochewsky afirma que prerrogativas não são privilégios, mas direitos assegurados em lei para garantir o direito de defesa do cidadão. “A inviolabilidade do advogado está longe de ser privilégio do profissional. Por isso, é necessário martelar que quando um advogado é assaltado em seus direitos e em suas prerrogativas, especialmente, como defensor da liberdade do imputado, é a democracia que sai ferida. Por tudo, urge que aqueles que afrontam o livre exercício profissional, notadamente da advocacia, sejam devidamente responsabilizados”, afirma.

 

“A decisão do Desembargador Néviton é muito importante para assegurar o pleno exercício do direito de defesa, pedra fundamental do estado democrático de direito. Em tempos onde se vive uma fúria punitivista, verificar que o Poder Judiciário está atento para coibir violações às prerrogativas dos advogados garante aos cidadãos o restabelecimento da ordem jurídica, a observância das leis e acima de tudo, a garantia de um julgamento justo”, afirma Renato José Cury, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

 

“Esta decisão é um verdadeiro alento. Em tempos tão sombrios para a advocacia criminal, o desembargador Néviton reconheceu a ilegalidade da decisão de 1o grau, garantindo o sigilo das relações cliente e defensor, um dos pilares do estado democrático de direito”, diz a advogada criminalista Daniela Meggiolaro.

 

Daniel Allan Burg, criminalista, lembrou a inviolabilidade dos atos praticados pelo advogado no exercício da profissão. “A Constituição Federal da República, em seu artigo 133, tutela a inviolabilidade, dos atos praticados pelo profissional da Advocacia, quando no exercício da profissão. Já o dispositivo legal contido no artigo 7º, § 6º, da Lei nº 8.906/94, estabelece que tal inviolabilidade não é absoluta, na medida em que poderá ser relativizada quando houver “indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado”. No que tange caso em análise, destaco o seguinte excerto do despacho proferido pelo Desembargador Federal Néviton Guedes, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1º Região: “ficou bem claro que não crime atribuído ao advogado ou à banca de advogados”. Assim, a decisão, que suspendeu a realização de medidas constritivas em face do causídico envolvido, além de corajosa e correta, representa uma vitória para a advocacia como um todo”.

 

“A decisão do desembargador Néviton se reveste de uma importância ainda maior por estarmos passando um momento punitivo onde só a acusação tem vez e voz. Inclusive na grande mídia. Há uma clara tentativa ,de boa parte do MP e do Judiciário , em criminalizar a advocacia. A coragem e a independência do desembargador Néviton honra a magistratura e deve servir como exemplo”, afirma o advogado Antonio Carlos Kakay.

 

Violação recorrente

 

Essa não é a única violação recente às prerrogativas da advocacia. Em 15 de fevereiro, noticiou-se a quebra do sigilo bancário do escritório de Atônio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-advogado do ex-presidente Michel Temer. A Receita Federal, por meio de um grupo de trabalho anti-fraudes, também conduz investigações secretas para saber a origem dos rendimentos da mulher do ministro do Supremo Gilmar Mendes.

 

Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico.

 

Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2019, 14h24

 

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